quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Pedra Pomes VIII

Heróis da Praia Doce

O Douro era veia aberta, sem a esclerose das barragens
Rei rebelde em tumulto
Com humildes súbditos afluentes
Valentes diluídos ao primeiro impacto
Onde fazia enseada (S. Adrião e Tedo),
Era o sítio onde nasciam os heróis.
Nus, corpos magros da fome e
Endurecidos pela chibata do tempo
Crianças de margem a margem
Nadavam num desafio de aventura
(A glória nem sempre é o prémio dos audazes)

Eram doces as maçãs e as pêras
Que se comiam do pomar selvagem
Era doce a água do rio amigo,
Eram doces os nus, corpos magros
De fome e endurecidos pela chibata do tempo
Heróis de outros tempos,
Desejosos de trepar aquele Olimpo infantil
O único onde era permitido
Sentarem-se plebeus miseráveis

Heróis saídos de tocas imundas de sol a sol
Os filhos haveriam de cuspir amarguras
Ao estalo dos encarregados,
Carregando o betão da modernidade,
Nas cidades longínquas.
Os netos, embrulhados em surrados sobretudos,
Botainas de pneu,
Esfregando as mãos do frio que gelava
As salas das universidades
De um Portugal soturno. Heróis de hoje,
Confesso que me arrepio.

Heróis deste país agora são outros
Caras chapadas de disfarces
Nos rectângulos das TV’s,
Poses circenses nas capas das revistas,
Mas algo saudável resiste no mundo
O trapo em se transformou o ser humano
Crianças de margem a margem

Para quem queira aprender
Alguma coisa sobre coragem
Aprenda com os fantasmas da praia doce
Eles desafiavam a
Turbulência assassina do rio, por nada,
Assim também agora é preciso muita coragem,
Por nada
Para desafiar estes novos tempos de pressa,
Egoísmo e demência.
Esse nada cheio de valores maiores
Amarguras endurecidas pela chibata do tempo;
Heróis de hoje, onde é permitido
Sentirem-se plebeus miseráveis
De um Portugal soturno.

A partir do texto original de Francisco Gouveia (22/11/07)

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